“Deus é amor. Fazendo-se homem concentra todo o seu amor num coração humano.”
(Pe. João Leão Dehon.)
A devoção ao Sagrado Coração de Jesus teve início no século XVIII, quando Santa Margarida Maria Alacocque teve uma visão de Jesus que lhe abria o peito e lhe mostrava o coração e lhe dizia: “Eis o coração que tanto amou os homens e por eles é tão pouco amado. ” A partir daí, a jovem e frágil freira francesa, que tinha como diretor espiritual o jesuíta Cláudio de la Colombière começou a viver uma série de graças místicas que marcaram a espiritualidade do Coração de Jesus que mais tarde, seria tão difundida: o oferecimento do dia e das obras, a reparação às ofensas feitas ao Coração de Jesus, etc.
Atualmente pode parecer que essa espiritualidade vivida intensamente por Santa Margarida não tenha um significado profundo em nossa vida. No entanto, o coração é um órgão que é muito presente em nosso vocabulário de todo dia, às vezes, inclusive, com um certo grau de banalização;. Isto é coisa do coração, só faço o que manda o meu coração, do fundo do meu coração, etc.
Por tudo isso, é bom refletirmos sobre o que está por trás desta espiritualidade. E fazê-lo a partir da Bíblia. Desde o Antigo Testamento, o homem bíblico entende o coração não como o órgão que bombeia sangue para o resto do corpo ou o lugar onde se guarda os mais variados sentimentos, mas sim como o centro de toda a pessoa. Por isso, quando o salmista diz “meu coração está em festa e minha alma dança de alegria” está falando de si mesmo por inteiro, desde o seu centro mais profundo, chegando a todas as extremidades e dimensões.
Deus mesmo tem um coração, na mentalidade bíblica. E seu coração é misericordioso (rahamin) e apaixonado e treme de amor e de preocupação ao ver seu filho querido, o povo de Israel, em perigo de perder-se e extraviar-se.
No Novo Testamento, Jesus, em quem a primeira comunidade cristã reconhece o Filho de Deus, sentirá, amará, chorará e se alegrará com coração humano.
Contemplando, pois, o Coração de Jesus e seus sentimentos, atitudes e critérios, podemos entender melhor a vocação do nosso coração.
O apóstolo Paulo vai nos ajudar nesta contemplação, sobretudo no belíssimo hino da Carta aos Filipenses, capítulo 2, vv. de 5 a 11, onde diz: “Tende em vós os mesmos sentimentos de Jesus Cristo. Ele, que tinha a condição divina, não se prendeu ao privilégio de ser Deus, mas humilhou-se, esvaziou-se, tomando a condição de servo e sendo um no meio de tantos. Foi obediente até a morte e morte de cruz. Por isso Deus o exaltou e lhe deu um Nome que está acima de todo Nome, para que ao nome de Jesus todo joelho se dobre no céu, na terra e nos infernos e toda língua proclame: Jesus Cristo é Senhor para glória de Deus Pai.”
Por aí deve passar, portanto, nossa devoção ao Coração de Jesus.
Contemplá-lo, ver sua vida, sua ação, ouvir suas palavras, ver seu comportamento: só iremos sabê-lo, experimentando sua humildade, obediência, disponibilidade, seu amor, sua compaixão e seu serviço até a morte.
Não é adotando uma postura de servo penitente e sofredor que estaremos chegando mais perto do Coração de Jesus. Mas contemplando-o amorosamente todo dia e procurando mergulhar nos seus sentimentos, seu carinho, sua misericórdia, sua amorosa humildade – que o fazia procurar antes a vontade do Pai à sua própria; antes o bem estar dos outros que o seu próprio.
A contemplação e o amor ao Coração de Jesus vão nos ensinar algo de extrema sabedoria que Inácio de Loyola, grande místico e companheiro de Jesus, nos diz em seus Exercícios: “Pois cada qual esteja certo que tanto mais progredirá nas coisas espirituais quanto mais sair de seu próprio amor, querer e interesse” (EE.EE. 189).
Somente procedendo assim estaremos indo de encontro ao que São Paulo nos diz: “Tende em vós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus.”
(Texto adaptado de Maria Clara Luchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.)